Acrasia ou Erosão da Empatia e da Civilidade
Os conceitos de acrasia e de erosão da empatia e da civilidade estão profundamente ligados à crise contemporânea de valores e à dificuldade humana de agir com coerência e humanidade. Ambos revelam tensões éticas que atravessam o comportamento individual e coletivo em nossa sociedade.
Acrasia é um termo filosófico originado do grego akrasía, que significa literalmente “falta de comando sobre si mesmo”. Refere-se à condição em que uma pessoa age contra o próprio juízo racional — ou seja, sabe o que deveria fazer, mas faz o contrário. Esse fenômeno exige consciência moral e envolve um conflito interno entre razão e desejo, entre o saber e o agir. Aristóteles já discutia esse dilema, e autores contemporâneos aprofundam a análise ao comparar abordagens de Aristóteles e Espinosa sobre a vontade e o afeto.
Já a erosão da empatia e da civilidade, embora não tenha uma definição única, pode ser compreendida como o declínio progressivo da capacidade de se colocar no lugar do outro (empatia) e de agir com respeito mútuo e boas maneiras (civilidade). Quando há apenas ódio cego ou desumanização do outro, talvez estejamos diante de algo ainda mais grave que a acrasia - uma falência ética mais profunda, marcada pela perda da sensibilidade humana.
A empatia é a habilidade de compreender e compartilhar os sentimentos alheios. Sua deterioração pode levar à indiferença, à desumanização e ao aumento dos conflitos sociais. A civilidade, por sua vez, envolve comportamentos como cortesia, respeito e consideração pelo outro. Quando ela se desgasta, observamos mais agressividade, intolerância e desrespeito nas interações cotidianas — especialmente nas redes sociais e nos ambientes polarizados. Estudos tem mostraado como a empatia é afetada por fatores sociais e culturais, e apontam para a necessidade de educação emocional como ferramenta de reconstrução ética.
As causas dessa erosão são múltiplas: o individualismo exacerbado; a superficialidade nas relações humanas, como apontado por Zygmunt Bauman em sua teoria da “modernidade líquida”; o uso excessivo de tecnologia e redes sociais; e a ausência de educação emocional e ética nas instituições.
Um exemplo emblemático dessa crise moral é a comemoração pública e zombeteira da morte de alguém — como ocorreu no caso da morte de Charlie Kirk. Tal atitude pode ser vista como uma violação de princípios éticos básicos, como o respeito à dignidade humana e à empatia. Se os indivíduos reconhecem que celebrar a morte é moralmente errado, mas ainda assim o fazem por impulso, raiva ou desejo de vingança simbólica, então estão manifestando acrasia. Por outro lado, se não consideram errado esse tipo de reação — ou até acreditam que é moralmente justificável diante das ideias que Kirk defendia — então não se trata de acrasia, mas sim de uma manifestação consciente de valores distintos, ainda que controversos ou desumanizantes.
Diante disso, é urgente refletir sobre os fundamentos éticos que sustentam nossas ações e sobre o tipo de sociedade que estamos construindo. A restauração da empatia e da civilidade não é apenas um desafio moral, mas uma necessidade vital para a convivência humana.
Referências
Paula, M. F. de. (2007). Saber, ação e afeto: o problema da acrasia em Aristóteles e Espinosa. Cadernos Espinosanos, 16, 61–88. Disponível na Revista da USP.
Lima, M. C., & colaboradores. (2009). Revisão de aspectos conceituais, teóricos e metodológicos da empatia. Psicologia: Ciência e Profissão, 29(2). Disponível na SciELO Brasil.








